Autocuidado e Bem-estar

Por que é Tão Difícil Construir uma Autoestima Saudável?

Por que é Tão Difícil Construir uma Autoestima Saudável?

O tema da autoestima ganha destaque no Mês da Mulher, sendo comum a demanda por palestras e reflexões sobre o assunto. As tentativas de formular um pensamento sobre a autoestima feminina podem variar entre mensagens motivacionais, análises sociais e até perspectivas psicanalíticas.

Como marco de uma mobilização social em torno das mulheres, escolho partir do princípio de que muito já foi escrito por homens sobre elas — mais especificamente, sobre suas mulheres ideais, suas amantes, suas mães, seus objetos de estudo. Ainda hoje, embora em menor escala, a mulher muitas vezes é deslocada da posição de verdadeiro sujeito da história e das narrativas. Produtos culturais que falam sobre as mulheres exercem efeitos sobre elas, e estar excessivamente alienada no olhar e na fala do outro pode ser um desses efeitos.

Enquanto psicóloga, psicanalista e mulher, considero importante destacar um ponto que tentarei resumir: poucas coisas são mais devastadoras para a autoestima do que demandar do outro o próprio reconhecimento. O empobrecimento do amor-próprio pode ser consequência do sofrimento insuportável causado pela alienação — ou seja, quando o sujeito demanda do outro o seu valor. No entanto, a alienação faz parte da constituição de cada um de nós. Por isso, a construção da autoestima é um trabalho que exige esforço.

Desde bebês, somos falados antes de falarmos. Quando choram, os bebês precisam ser adivinhados — e, na psicanálise, chamamos isso de “suposição do sujeito”. Diferenciar entre uma dor de barriga, fome ou dor de ouvido é um exercício de suposição. Com alguma sorte e uma maternagem suficientemente boa, sobrevivemos à nossa grande prematuridade humana (afinal, nascemos mais prematuros do que outros animais). No entanto, permanece em todos nós esse desejo de ser adivinhado.

A perda da autoestima está relacionada à expectativa de que o outro reconheça o nosso valor sem que precisemos falar, demonstrar, estabelecer vínculos ou realizar qualquer esforço nesse sentido. A pessoa com autoestima fragilizada acredita em um ideal no qual possa valer por “si mesma” ou por “o que é”, como se sua existência fosse evidente por si só. Mas não é. E essa constatação não é simples de ser alcançada. Trata-se de uma travessia complexa, pois há em todos nós o desejo de ser um “alecrim dourado” ou um “lírio do campo”, vestido com a glória de um rei — um retorno idílico à posição de “Sua Majestade, o Bebê”.

Busca impossível, pois a falta é constitutiva do sujeito. Para construir uma autoestima saudável, é preciso, em algum momento, renunciar à busca por uma autoestima plena, que muitas vezes não passa de um desejo de retorno a esse momento idealizado. Não que esse momento tenha realmente acontecido, mas ele se torna uma constatação subjetiva adquirida retroativamente. A perda do narcisismo primário é consequência da entrada na ordem da linguagem e da introdução de certas regras — ou seja, exige uma renúncia ao “gozo do ser”. A partir de determinado ponto do desenvolvimento, o sujeito não terá mais os prazeres da adivinhação e da satisfação imediata de suas demandas.

O lugar que os pais antecipam para o bebê — que representa o desejo inconsciente dos pais e, ao mesmo tempo, precede o bebê e lhe confere consistência imaginária (o que equivale a ser o “falo” para o Outro) — será, em alguma medida, perdido. E o sujeito precisará se virar com outros artifícios.

Repetições sintomáticas e o empobrecimento da qualidade das relações podem estar ligados à impotência diante da impossibilidade de retorno a um estado de completude narcísica. As feridas narcísicas se manifestam de diversas formas: desde autorrecriminações até um estado de acusação e ressentimento contra o outro. A psicanálise não promete um “estado de plenitude”, mas sim um processo de reconciliação com a própria falta, permitindo que cada sujeito encontre um modo singular de desejar e existir no mundo. E não há trabalho de análise sem um ato de fala do sujeito — um ato que o faça sair do gozo de uma suposta plenitude para uma indagação sobre a responsabilidade de fazer valer a própria palavra.

Psicóloga: Aline Brentini

CRP: 09/015504

 

Assine nossa
newsletter